sábado, 27 de outubro de 2012

Estes são os tempos futuros que temia


Estes são os tempos futuros que temia
o teu coração que mirrou sob pedras,
que podes recear agora tão fundo,
onde não chegam as aflições nem as palavras duras?
Desceste em andamento; afinal era
tudo tão inevitável como o resto.
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se
da tua vista os bons e os maus momentos.
Tu ainda tinhas essa porta à mão.
(Aposto que a passaste com uma vénia desdenhosa.)
Agora já não é possível morrer ou,
pelo menos, já não chega fechar os olhos.

Manuel António Pina

________________________________________________________ 

Esta mão que escreve a ardente melancolia da idade

.(a carta da paixão)
Esta mão que escreve a ardente melancolia da idade é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça, que à imagem do mundo aberta de têmpora a têmpora ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra a sua queimadura desde os seus recessos negroso nde se formam as estações até ao cimo,nas sedas que se escoam com a largura fluvial da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas e o silêncio todo branco.Os dedos.A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua alumia-se: O mel escurece dentro da veia jugular talhando a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas obscuras, essa lua tece as ramas de um sangue mais salgado e profundo. E o marfim amadurece na terra como uma constelação. O dia leva-o, a noite traz para junto da cabeça: essa raiz de osso vivo. A idade que escrevo escreve-se num braço fincado em ti, uma veia dentro da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a pont
a da figura cavada no espelho. Ou ainda a fenda na fronte por onde começa a estrela animal. Queima-te a espaços a desarrumação das imagens. E trabalha em tio suspiro do sangue curvo, um alimento violento cheio da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força desde a raiz dos braços a força manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda fechada, a límpida ferida que me atravessa desde essa tua leveza sombria como uma dança até ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum astro é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros do teu vestido. As palavras que escrevo correndo entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso, arterial. E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado. A paixão é voraz, o silêncio alimenta-sefixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te toda no cometa que te envolve as ancas como um beijo. Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem nos quartos. É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta pelo meio o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras um pouco loucas engolfadas, entre as mãos sumptuosas. A doçura mata. A luz salta às golfadas. A terra é alta. Tu és o nó de sangue que me sufoca. Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões da madeira fria. És uma faca cravada na minha vida secreta. E como estrelas duplas consanguíneas, luzimos de um para o outro nas trevas.

Herberto Helder





_______________________________________________________________________

Corpo de mulher, brancas colinas, brancas coxas,


Corpo de mulher, brancas colinas, brancas coxas,
te fazem parecer o mundo na tua atitude de entrega.
O meu corpo de camponês selvagem te escava
e faz saltar o filho do fundo dessa terra.


Fui só como um túnel. De mim foram-se os pássaros
e em mim a noite entrava com a sua invasão poderosa.
Para sobreviver, forjei-te como uma arma,
como uma flecha no meu arco, como uma pedra na minha funda.


Porém, chega a hora da vingança, e amo-te.
Corpo de pele e de musgo, de leite ávido e firme.
Ah os vasos do peito! Ah os olhos da ausência!
Ah as rosas do púbis! Ah a tua voz lenta e triste!


Corpo da minha mulher, continuarás na tua graça.
Minha sede, minha ânsia sem limites, meu caminho
indeciso!
Escuros sulcos onde a sede eterna segue,
e segue a fadiga, e esta dor infinita.



Pablo Neruda
 

____________________________________

Teus olhos, Bela Flora, soberanos

Teus olhos, Bela Flora, soberanos
e a brunida prata de teu colo
e esse, inveja do ouro, teu cabelo
e o marfim torneado de tuas mãos

não foram, não, os que, de tão ufanos
quantos uns pensamentos podem sê-lo
fizeram aos meus, sem querer-lo
tão a teus gostos vitoriosos e planos.

Tua alma foi a que venceu a minha
que aspirando com força avantajada
por esse corpo instrumento de vida

se lançou dentro em mim, onde não havia
quem resistisse ao vencedor a entrada
porque teve por glória ser vencida.

Francisco Medrano (1570-1607)

(mudado por mim do castelhano para português)






Fim do Mundo


«Um homem quis ir até ao fim do mundo e foi.
Era uma grande falésia que dava para um abismo.
- Mas onde é que fica mesmo o fim do mundo?- duvidou o homem.
- Aqui ou lá em baixo.»


FabulárioMário de Carvalho (Ed. & etc)


_______________________________________________________

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Um homem de olhos ligeiros descreve o céu do amor.


Um pássaro ganha altura,
Rejeita a nudez como um véu inútil,
Porque nunca teve medo da luz,
Fechado no seu voo,
Nunca sentiu a sombra.

Cascas de colheitas crestadas pelo sol.
Todas as folhas nos bosques dizem que sim,
Elas não sabem senão dizer que sim,
Todas as perguntas, todas as respostas
E o orvalho brota deste íntimo sim.

Um homem de olhos ligeiros descreve o céu do amor.
Ele reúne as maravilhas
Como folhas de um bosque,
Como os pássaros nas suas asas
E os homens quando adormecem.

Paul Eluard, in Nouveaux Poèmes (1926)



____________________________________________________________

Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
...Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Sophia de Mello Breyner Andresen
Livro Sexto (1962)





__________________________________________________________

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,


Quem diz que Amor é falso ou enganoso, 
Ligeiro, ingrato, vão desconhecido, 
Sem falta lhe terá bem merecido 
Que lhe seja cruel ou rigoroso. 

Amor é brando, é doce, e é piedoso. 
Quem o contrário diz não seja crido; 
Seja por cego e apaixonado tido, 
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.

Se males faz Amor em mim se vêem; 
Em mim mostrando todo o seu rigor, 
Ao mundo quis mostrar quanto podia. 

Mas todas suas iras são de Amor; 
Todos os seus males são um bem, 
Que eu por todo outro bem não trocaria.

Luís Vaz de Camões
(1524-1580)

____________________________________________________

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

*


" HISTORIA DE UNA CAMARERA "


      Mañana atareada. Antes de irme a una reunión, leo a Mirbeau.

     " A mí, cuando todavía estoy estremecida bajo el influjo de la felicidad, me gusta retener en mis brazos, durante largo tiempo, al hombre que lo ha logrado. Tras los espasmos de la voluptuosidad, necesito- intensamente, imperiosamente- esa casta relajación, ese abrazo puro, ese beso con el que ya no se muerde salvajemente la carne, sino que se acaricia idealmente el alma. Tengo que ascender del infierno amoroso, del espasmódico frenesí, al paraíso del éxtasis. Monsieur Xavier, por su parte, 
¡ pasaba del éxtasis ! Al momento, se libraba de mí, de mi abrazo, de ese beso que, físicamente, le resultaba intolerable. Parecía como si, en realidad, no hubiésemos estado el uno en el otro, como si nuestros sexos, nuestras bocas, nuestras almas, por un instante, no se hubiesen confundido en el mismo grito, el mismo olvido, en la misma muerte maravillosa. Y, al quererle retener sobre mi pecho, entre mis piernas nerviosamente anudadas con las suyas, se desprendía, me rechazaba brutalmente, saltaba de la cama... "

      Octave Mirbeau ( 1848-1917 )

      ( Foto de autor desconocido )

_______________________________________________________________________________

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

*


(...)
"A hora havia de chegar em que
nos perderíamos um ao outro.
E acabaríamos necessariamente assim,
mortos inventariando mortos.

Morrer, porém, não é fácil,
ficam sombras nem sequer as nossas,
e a nossa voz fala-nos
numa língua estrangeira."
(...)

Excerto de "O quarto" da obra poética "Como se desenha uma casa" de Manuel António Pina 


___________________________________________________________________

*


Ela dorme. A hora em que os homens
já estão despertos, e pouca luz
entra por ora a feri-los.
Com tão pouco temos tanto. Apenas
o sentimento de duas coisas:
a terra gira, mulheres dormem.
Reconciliados, seguimos
direto ao fim do mundo, que não
requer a nossa ajuda.

Gabriel Ferrater

___________________________________________________________

*


Os ouvidos produzem
o som há muito decomposto entre
as folhas dos dentes
E pode um filho ouvir o mesmo mar
que nada mais será o
caos das folhas
Tens em torno de ti o mar descrito
és o filho
que escuta os meus ouvidos

Gastão Cruz

_______________________________________________________________

*


Às vezes despedimo-nos tão cedo
que nem lágrimas há que nos suportem o
peso da voz à solidão exposta
ou
de lisboa no corpo o peso triste
Às vezes é tão cedo que nos vemos
omitidos
enquanto expõe
o peso insuportável do amor
a despedida
É tão cedo por vezes que lisboa
estende sobre os corpos o desgosto
Com os dedos no crânio despedimo-nos

Gastão Cruz

___________________________________________________

*


É apenas o começo. Só depois dói,
e se lhe dá nome.
Ás vezes chamam-lhe paixão. Que pode
acontecer da maneira mais simples:
umas gotas de chuva no cabelo.
Aproximas a mão, os dedos
desatam a arder inesperadamente,
recuas de medo. Aqueles cabelos,
as suas gotas de água são o começo,
apenas o começo. Antes
do fim terás de pegar no fogo
e fazeres do inverno
a mais ardente das estações.

José Fontinhas, ou Eugénio de Andrade

___________________________________________________

*


Quem conquista o Amor é ele mesmo conquistado;
assim ele é servido;
e quando acalenta quem quer que seja
ele consuma
em nova moldura tudo o que possui.
Assim, sendo velho, aprende através do poder do Amor
conquistar a paz,
onde ele descobre que o preço do Amor
é a miséria.

Hadewijch de Antuérpia


_________________________________________-

*


O que é este suave peso do Amor
e seu jugo de suave sabor?
Será a nobre carga do espírito
com que o Amor toca a alma amante
e a une a ele numa só vontade
e em um só ser, sem retorno?

Hadewijch de Antuérpia

_____________________________________________________

*


Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Hilda Hilst


_______________________________________________________
A morte e a vida morrem 
e sob a sua eternidade fica 
só a memória do esquecimento de tudo; 
também o silêncio de aquele que fala se calará. 

Quem fala de estas 
coisas e de falar de elas 
foge para o puro esquecimento 
fora da cabeça e de si. 

O que existe falta 
sob a eternidade; 
saber é esquecer, e 
esta é a sabedoria e o esquecimento. 

Do livro "Aquele que Quer Morrer"


_________________________________________________

*

 " Hoy estarás casada, serás madre y esposa,
      y puede que un amante hasta te ofrezca rosas.

      Pero yo sé que alguna noche habrás sonreído
      recordando aquel cuarto que nos hizo más íntimos.

      Al final, casi siempre, del amor sólo quedan
      postales, que el olvido retoca a su manera "

           Javier Salvago.


__________________________________________________________

Tempo — definição da angústia. 
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
— O passado,
Amargura maior, fotografada.

Tempo...
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta duma vez!

Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!

Miguel Torga, Cântico do Homem

*



Não sou nada. 
Nunca serei nada. 
Não posso querer ser nada. 
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. 

Janelas do meu quarto, 
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é 
(E se soubessem quem é, o que saberiam?), 
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, 
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, 
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, 
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres 
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens. 
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. 
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. 
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, 
E não tivesse mais irmandade com as coisas 
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua 
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada 
De dentro da minha cabeça, 
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. 

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. 
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo 
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, 
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro. 

Falhei em tudo. 
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. 
A aprendizagem que me deram, 
Desci dela pela janela das traseiras da casa. 
Fui até ao campo com grandes propósitos. 
Mas lá encontrei só ervas e árvores, 
E quando havia gente era igual à outra. 
Saio da janela, sento-me numa cadeira. 
Em que hei de pensar? 

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? 
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! 
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! 
Gênio? Neste momento 
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu , 
E a história não marcará, quem sabe?, nem um, 
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. 
Não, não creio em mim. 
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas! 
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? 
Não, nem em mim... 
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo. 
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando. 
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas - 
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -, 
E quem sabe se realizáveis, 
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente? 
O mundo é para quem nasce para o conquistar 
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão. 
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez. 
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo, 
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu. 
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, 
Ainda que não more nela; 
Serei sempre o que não nasceu para isso; 
Serei sempre só o que tinha qualidades; 
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta, 
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, 
E ouviu a voz de Deus num paço tapado. 
Crer em mim? Não, nem em nada. 
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente 
0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo, 
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha. 
Escravos cardíacos das estrelas, 
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama; 
Mas acordamos e ele é opaco, 
Levantamo-nos e ele é alheio, 
Saímos de casa e ele é a terra inteira, 
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido. 

(Come chocolates, pequena; Come chocolates! 
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. 
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. 
Come, pequena suja, come! 
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! 
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, 
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.) 
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei 
A caligrafia rápida destes versos, 
Pórtico partido para o Impossível. 
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, 
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro 
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas, 
E fico em casa sem camisa. 

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas, 
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva, 
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta, 
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida, 
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua, 
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, 
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -, 
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire! 
Meu coração é um balde despejado. 
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco 
A mim mesmo e não encontro nada. 
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta. 
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam, 
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam, 
Vejo os cães que também existem, 
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo, 
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.) 
Vivi, estudei, amei, e até cri, 
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu. 
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira, 
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses 
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); 
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo 
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente. 

Fiz de mim o que não soube, 
E o que podia fazer de mim não o fiz. 
0 dominó que vesti era errado. 
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. 
Quando quis tirar a máscara, 
Estava pegada à cara. 
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. 
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. 
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário 
Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo 
E vou escrever esta história para provar que sou sublime. 

Essência musical dos meus versos inúteis, 
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse 
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte, 
Calcando aos pés a consciência de estar existindo, 
Como um tapete em que um bêbado tropeça 
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada. 

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta. 
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada 
E com o desconforto da alma mal-entendendo. 
Ele morrerá e eu morrerei. 
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos. 
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também. 
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, 
E a língua em que foram escritos os versos. 
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. 
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente 
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, 
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra , 
Sempre o impossível tão estúpido como o real, 
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, 
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra. 
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?) 
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim. 
Semiergo-me enérgico, convencido, humano, 
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário. 

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los 
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. 
Sigo o fumo como uma rota própria, 
E gozo, num momento sensitivo e competente, 
A libertação de todas as especulações 
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto. 

Depois deito-me para trás na cadeira 
E continuo fumando. 
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. 

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira 
Talvez fosse feliz.) 
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela. 

0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?). 
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. 
(0 Dono da Tabacaria chegou á porta.) 
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me. 
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo 
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.
( Tabacaria-Álvaro de Campos)


Prémio Nobel Física 2012


Focus: Nobel Prize—Tools for Quantum Tinkering

Published October 12, 2012  |  Physics 5114 (2012)  |  DOI: 10.1103/Physics.5.114

Demonstration of a Fundamental Quantum Logic Gate

C. Monroe, D. M. Meekhof, B. E. King, W. M. Itano, and D. J. Wineland
Published December 18, 1995

Observing the Progressive Decoherence of the “Meter” in a Quantum Measurement

M. Brune, E. Hagley, J. Dreyer, X. Maître, A. Maali, C. Wunderlich, J. M. Raimond, and S. Haroche
Published December 9, 1996
+Enlarge imageFigure 1
Reflecting well on the physicist. Haroche and his colleagues used highly reflective cavities like this one to hold small numbers of photons for controlled interactions with single atoms. It is several centimeters across and is “opened up” for the photo.
To understand the quantum world, researchers have developed lab-scale tools to manipulate microscopic objects without disturbing them. The 2012 Nobel Prize in Physics recognizes two of these quantum tinkerers: David Wineland, of the National Institute of Standards and Technology and the University of Colorado in Boulder, and Serge Haroche, of the Collège de France and the Ecole Normale Supérieure in Paris. Two of their papers, published in 1995 and ‘96 in Physical Review Letters, exemplify their contributions. The one by Wineland and collaborators showed how to use atomic states to make a quantum logic gate, the first step toward a superfast quantum computer. The other, by Haroche and his colleagues, demonstrated one of the strange predictions of quantum mechanics—that measuring a quantum system can pull the measuring device into a weird quantum state which then dissipates over time.
A quantum system can exist in two distinct states at the same time. The challenge in studying this so-called superposition of quantum states is that any nudge from the environment can quickly push the system into one state or the other. Wineland and Haroche both designed experiments that isolate particles—ions or photons—from the environment, so that they can be carefully controlled without losing their quantum character.
Since the 1980s, Haroche has been one of the pioneers in the field of cavity quantum electrodynamics, where researchers observe a single atom interacting with a few photons inside a reflective cavity. Haroche and his colleagues can keep a photon bouncing back and forth in a centimeter-sized cavity billions of times before it escapes. But only photons of specific wavelengths determined by the cavity size can survive. Haroche’s group was one of the first to show that this wavelength selectivity could amplify [1] or suppress [2] the emission from an atom inside the cavity. Haroche was later able to tune a cavity so that the allowed wavelengths were close to, but not equal to, those associated with transitions in an atom, so that the photons and atom did not exchange energy. Instead, they incurred a phase change that could carry information about, for example, the number of photons in the cavity [3].
In 1996, Haroche’s group used such a system to study the process by which a quantum superposition settles into a single state. The researchers placed a highly excited rubidium atom in a superposition of two energy states and then sent it through a cavity containing about ten photons. The matter-light interaction “entangled” the photons and atom together, so that the photons entered their own superposition of two states (a “Schrödinger cat” state, in the team’s language), which acted as a “measurement” of the atom’s superposition state. Measuring devices don’t ordinarily remain in two states; instead, they give up their quantum nature almost immediately through interactions with the environment. However, this so-called decoherence process was expected to take longer for a “small” device with only a few particles (photons in this case).
To see this effect, the team arranged for a second atom to enter the cavity shortly after the first. Separate observations of the atoms after each passed through the cavity showed that the superposition in the photons survived for several microseconds. This was the first experimental exploration of the quantum measurement process at the so-called “mesoscopic” boundary between the macroscopic and the microscopic world, says coauthor Jean-Michel Raimond of the Pierre and Marie Curie University in Paris. “The experiment is even now described in a few standard quantum mechanics textbooks,” he says.
Wineland performed similar sorts of quantum-probing experiments through his own pioneering work with trapped ions [45]. The tight confinement of ions in these electric field traps causes ion motion to be restricted to distinct quantum states, each of which represents a different frequency of bouncing back-and-forth between the electric field “walls.” These motional, or “vibrational,” states are typically independent of the internal, electronic energy states of the ion, but Wineland and others showed that laser light could transfer energy from one set of states to the other. The researchers used this laser coupling to cool an ion to the state with the slowest motion [6] and to make the world’s most precise clocks [7].
In their 1995 paper, Wineland and his colleagues demonstrated the first quantum logic gate, the basic building block of a quantum computer. They trapped a single beryllium ion and prepared it with two quantum bits (quantum two-state systems, or “qubits”): one corresponding to the two lowest vibrational states and the other to a pair of electronic states. A series of laser pulses would either have no effect on the electronic qubit or would switch its value—say, from the lower- to the higher-energy state—depending on the vibrational qubit’s state. This “controlled NOT” operation did not measure either qubit, so the quantum nature of the states was preserved. “It was a simple gate, but it was interesting because it was clear how to scale the system up,” says coauthor Chris Monroe of the University of Maryland in College Park. Since then, researchers have succeeded in performing more complicated logic operations with as many as 14 ions.
“There is a beautiful duality between the two techniques,” Raimond says. Wineland traps matter particles (ions) and studies them with laser beams, while Haroche traps photons and studies them with a matter beam. “I think the match by the Nobel committee is quite perfect: Same generation, similar achievements, same global objectives,” says Raimond, “and two excellent friends.”
–Michael Schirber
Michael Schirber is a freelance science writer in Lyon, France.


References

  1. P. Goy, J. M. Raimond, M. Gross, and S. Haroche, “Observation of Cavity-Enhanced Single-Atom Spontaneous Emission,” Phys. Rev. Lett. 50, 1903 (1983).
  2. W. Jhe, A. Anderson, E. A. Hinds, D. Meschede, L. Moi, and S. Haroche, “Suppression of Spontaneous Decay at Optical Frequencies: Test of Vacuum-Field Anisotropy in Confined Space,” Phys. Rev. Lett. 58, 666 (1987).
  3. S. Gleyzes, S. Kuhr, C. Guerlin, J. Bernu, S. Deléglise, U. Busk Hoff, M. Brune, J. M. Raimond, and S. Haroche, “Quantum Jumps of Light Recording the Birth and Death of a Photon in a Cavity,” Nature 446, 297 (2007).
  4. D. J. Wineland, R. E. Drullinger, and F. L. Walls, “Radiation-Pressure Cooling of Bound Resonant Absorbers,” Phys. Rev. Lett. 40, 1639 (1978).
  5. D.J. Wineland and Wayne M. Itano, “Spectroscopy of a Single Mg+ Ion,” Phys. Lett. A 82, 75 (1981).
  6. F. Diedrich, J. C. Bergquist, W. M. Itano, and D. J. Wineland, “Laser Cooling to the Zero-Point Energy of Motion,” Phys. Rev. Lett. 62, 403 (1989).
  7. Synopsis: Better timing with aluminum ions, http://physics.aps.org/synopsis-for/10.1103/PhysRevLett.104.070802.